[...] poderemos incorrer em grande equívoco, histórico e teológico, se lermos essa história mítica [narrada na Bíblia], criada para legitimar as reformas [de Ezequias e de Josias], como s fosse uma reportagem fidedigna, tanto dos acontecimentos históricos como das aparições e mandamentos de Javé, escrita por uma testemunha ocular fiel aos fatos.Mas isso não quer dizer que se deva desprezar a narrativa histórica bíblica por completo, mesmo que seja mítica em muitos aspectos, porque nem tudo nela é invenção¹. Para ter valor, para ser eficiente como história oficial junto ao povo para quem ela é contada, ela tem de trazer, dentro de si, as tradições antigas mais caras a esse povo. É, então, pelas espiritualidades contidas nas tradições mais antigas presentes no texto bíblico que devemos procurar.[...]É importante ter um mínimo de referência sobre o processo histórico envolvido no surgimento do povo de Israel e de suas principais instituições para que tenhamos elementos para discernir as teologias e espiritualidades presentes na Bíblia. Para que possamos perceber onde se localiza o sagrado nessas teologias e espiritualidades e quais as funções que estas teologias desempenharam em seu tempo. Esse discernimento é fundamental se quisermos ser hoje fiéis ao Espírito e ao Deus de Jesus de Nazaré. Para que não sigamos reproduzindo as discriminações, intolerância e violências em nome de Deus, praticadas pelos poderosos que condenaram Jesus à morte e que hoje, infelizmente, ainda muitas vezes são praticadas em nome de Jesus. E para que não caiamos nas armadilhas do espiritualismo e do ritualismo que identificam e aprisionam o sagrado em nome de Deus, em lugares sacralizados e em rituais a ele vinculados. Todos esses elementos podem ser manipulados, como quase sempre o foram, tanto na Bíblia quanto em nossa história, e na história da humanidade em geral.